O meu anjinho quase se foi...
Aviso: este post fala sobre suicídio. Para pedir ajuda, ligue 188 (CVV).
Aviso 2: por segurança, não darei nomes ao fármacos envolvidos.
Quinta-feira, 08 de maio, tarde tranquila e recebo uma ligação da mãe do meu filho (um lindo anjinho de 13 anos). Estão no hospital. Ele não está bem. Entornou o frasco [quase] inteiro de um remédio tarja preta, desses que com apenas duas gotas já "apaga um leão"; tentou tirar a própria vida. Corro para o hospital.
Enfermaria - Chego lá e ele está na enfermaria. Completamente fora de si, grogue. Instável, completamente instável. Arritmia, pressão arterial subindo e despencando, febre, enfim, um corpinho inocente sem saber como reagir à intoxicação.
UTI - quadro complicado, foi encaminhado para a UTI pediátrica e lá passou a noite, a mãe ficou como acompanhante (eu não imaginava que podia acompanhante em UTIs, mas parece que nas pediátricas isso é um protocolo). Após alguns "quase", sobreviveu. E ali, numa UTI, ele adormeceu.
UTI... ainda... - no dia seguinte eu estava lá para trocar o turno com a mãe. Eu o vi extremamente confuso (confusão mental): "efeitos da intoxicação", alertaram-me os enfermeiros. Fiquei com ele na UTI. Já se passaram mais de 24h desde que o "frasco entornou" e ele ainda estava completamente confuso: sem memória de curto prazo e sem saber direito onde estava. Os sinais vitais estavam bons, graças a Deus. Noite do segundo dia, ainda UTI, e ele ainda muito confuso. Pensei: "será que ele ficará para sempre assim?". Essa possibilidade me causou um frio na espinha.
Quarto - no fim da noite, uma boa notícia: alta da UTI e internação em quarto (chamam de "apartamento"). Lá, no quarto, foi uma noite tranquila. Eu estava ali, o tempo todo, ao lado dele. Ele, infelizmente, ainda muito confuso.
Sábado - dormi mal no pequeno sofá ao lado da cama, mas ele aparentemente dormiu muito bem (eu o levei para ir ao banheiro 2x na madrugada), isso é o que importa. Dei banho nele e comemos o café da manhã servido no quarto. Ele, emotivo, chorava a todo momento. Eu, pai e "forte", abraçava-o e estava ali para tudo. Antes do almoço eu ainda notei uma certa confusão mental e esquecimento de coisas imediatas. Fiquei com medo: "sequela para a vida toda? A vida dele está só começando...", e chorei. Escondido e em silêncio no banheiro, mas chorei.
Celular - quando ele fez 13 anos eu disse que não mais olharia o celular dele, pois ele estava "virando mocinho" e quis dar mais privacidade. Com o ocorrido, quebrei isso. Enquanto ele dormia eu verifiquei o celular dele (ele confia em mim e me diz a senha de tudo): encontrei grupos de conteúdo gore (homicídios, suicídios, acidentes fatais e outras bizarrices), muitas outras coisas estranhas e um vídeo, feito em 24 de abril, onde ele mostrava o frasco do remédio que quase o matou no dia 08 de maio. Ou seja, foi premeditado. É um vídeo estranho: ele filma o remédio e o mostra de todos os ângulos, quase como quem está mostrando algo para alguém. Eu procuro por alguma conversa estranha ou "grupos de desafios" (ou qualquer coisa assim) em tudo: Discord, WhatsApp, Telegram, Instagram...nada encontro nesse sentido.
Equipe médica - levei todas essas informações para a equipe médica: mostrei tudo. Após o almoço ele já estava muito melhor da confusão mental e os sinais do corpo dentro da normalidade. Graças a Deus. Converso com médicas, sou ouvido. As médicas conversam com a mãe dele também. E com ele, é claro. Relato todos os sinais que deu, inclusive que no passado verbalizou para mim, em mais de um momento, que tinha vontade de "cortar as redes de proteção da janela (apartamento) e pular". Equipe médica resolve estender a internação por mais dias: o corpo dele está bom, mas o psicológico não.
11 de maio - Hoje, domingo e Dia das Mães, está com a mãe ao lado dele. Amanhã irei para ficar com ele e é provavelmente amanhã que ele será ouvido por psiquiatra e psicólogos do hospital. Tudo ainda está acontecendo...
Ele possui contato com psiquiatras e psicólogas há muitos anos: diagnóstico de Síndrome de Tourette (grave) desde cedo e, de dois anos pra cá, ansiedade e depressão. Toma remédios fortes - todos os dias - há anos.
Eu quase perdi o maior amor da minha vida - o meu anjinho - e agora eu estou pensando: onde eu errei? O que eu deixei escapar? Eu percebi sim todos os sinais e pedidos de ajuda - e eu estava ali, sempre presente e mostrando que ele tem a minha ajuda! Por que ele se sentiu tão sozinho ao ponto de tentar acabar com essa angústia desse jeito? O que eu preciso fazer para ele nunca mais sentir isso?
Para amenizar a estadia no hospital (quarto), coloco música (baixinho) para ouvir com ele e também arranjei papéis e canetas para desenharmos; ele ama desenhar. Sabendo que o desenho é uma atividade lúdica que "diz verdades", sugeri: "filhão, que tal desenharmos um sentimento?! Podemos escolher qualquer um!". Eu desenhei um rostinho serelepe ("Alegria") e esse foi o desenho dele ("Ódio!"):
Tudo está acontecendo. Ele ainda está internado. Quero que as horas passem logo para eu ir até ele amanhã e ficar lá do ladinho dele. Todos nós (eu, Tampinha, mãe, avós, padrasto, tias etc.) estamos mostrando para ele o tanto que ele é amado - e o tanto que ele NÃO está sozinho. Eu, particularmente, fiz uma promessa-de-dedinho para ele no quarto do hospital:
"Filhão, sei que tá difícil, mas eu tô aqui. Eu tô aqui! Aguenta firme que tudo só vai melhorar! Você não está sozinho. E olha só, daqui a alguns anos vamos rir disso tudo enquanto estivermos fazendo uma viagem incrível no Japão. Nós vamos sim, nós dois, eu e você explorando o Japão. Prometo. De dedinho."
Os dedinhos se cruzam - ele me abraça e chora. "Obrigado, papai, te amo muito".
"Também te amo, filho, também te amo..."
Atualização (13 de maio): filhão teve alta! Agora é trabalhar o psicológico, acolher e mostrar o tanto que ele é amado! Dias melhores virão.