Zé Tampinha

O homem que me conquistou

“Cara, eu tive que fazer terapia por sua causa!”

Ouvi essa frase do meu ex há alguns anos. Sim, meu ex – um homem. Foi minha primeira paixão “proibida”; viver o ‘proibido’ pela sociedade me fez ter a certeza de que o que é feito escondido é muito mais gostoso.

O início

Tudo começou na faculdade. Eu, 18 anos, corpo muito bem cuidado e a cabeça de um jovem de 18 anos que acha que conhece tudo da vida. Ele, um cara de 19 anos, corpo meio magricela e uma cabeça que eu jurava ser muito mais inteligente que a minha.

Tínhamos uma amiga em comum, à qual eu dava uns pegas, e certa vez ele sugeriu: “bora nós três?”. Ela não topou, mas eu fiquei com aquilo na cabeça. Eu já havia beijado homens antes, mas nunca havia provado dos seus corpos. Fiquei curioso e instigado, uma mistura de excitação com medo do desconhecido.

Algumas semanas depois lá estávamos nós, eu e ele, sem a amiga em comum, na sala de estar do pequeno apartamento dele. Os pais moravam em outra cidade e mandavam dinheiro para ele morar só e estudar na capital – e de fato ele era muito disciplinado nos estudos (cursinho para medicina).

O jantar

Ele cozinhou massa com camarão rosa na manteiga. O filho da mãe sabia muito bem o que estava fazendo! Para beber, dois vinhos baratos.

Como todo jovem metido a romântico, deixou somente as luzes amarelas acesas, algo meio ‘provocador’. No início eu me senti uma presa, de verdade, eu sentia que seria a sobremesa do jantar e isso me deixava bem chateado, mas a conversa estava boa e a massa c/ camarão uma delícia, decidi dar uma chance.

“Nunca cheguei até aqui”

Sei lá quantas horas depois, após muita conversa, comida boa, duas garrafas de vinho e muito beijo, estávamos ali, no sofá da sala, preparados para o próximo passo. Mas... como?

Ele não tinha seios – pequenos ou fartos, nem cinturinha fina feminina e muito menos mel escorrendo por entre suas pernas. Ao contrário, ele tinha uma barba cerrada, um peitoral com pelos e... volume! O mesmo que o meu... eu o senti. Ele me sentiu...

Até que...

...eu ouvi: “nunca cheguei até aqui”. Nossa, ele também era virgem com homens!

Dei risada de toda aquela situação embaraçosa. Dois homens experientes com mulheres, na medida do possível da experiência adquirida aos 18 e 19 anos, mas completamente perdidos entre si.

”Tudo bem por você?”

“Tudo bem por você se não fizermos nada mais...intenso... hoje?”, perguntei um pouco receoso, pois eu não sabia muito bem o que ele queria e até mesmo o que eu queria; é o dilema do casal gay, quem vai fazer o quê? Se é que me entendem...

“Estou aliviado, vem cá!” e me beija novamente.

As bocas sentiram muito mais do que os lábios naquela noite.

Filho da puta

Esse era o apelido ‘carinhoso’ pelo qual eu o chamava: filho da puta. A piada era literal, eu explico.

Com mais confiança ele se abriu comigo e contou alguns segredos de família. Um deles era que a mãe, muito atenciosa, havia sido, há muitos anos, ‘dama da noite’ lá no interior do interior nordestino e o pai dele era um ‘cliente costumaz’. Apaixonaram-se e ele a tirou de lá. E eles se amavam assim, sem neuras. Ela saiu de vez daquela vida e se tornou uma mãe carinhosa.

Eu não aguentei e tive que soltar a piadinha para quebrar o gelo: “então você é o verdadeiro filho da puta?!”. No segundo seguinte à minha fala eu percebi a asneira que eu havia dito! Por sorte, ele riu – que risada gostosa – e fez que ‘sim’ com a cabeça.

E agora?

Após outros encontros, alguns até mesmo em locais públicos – onde nos segurávamos muito para não demonstrar carinho perante uma sociedade preconceituosa (o ano era 2008), acabamos descobrindo como fazer nossos dois corpos se tornarem um.

A paixão, é claro, nos acometeu com tamanha força que ele, valente e corajoso com a emoção irracional, foi até ao meu prédio com uma caixa de bombom Ferrero Rocher e uma rosa, pediria-me em namoro!

Meu pai, à época muito preconceituoso, não soube como lidar com um homem à porta indo visitar o filho dele, com bombons e flor! Minha irmã, mais velha, ficou toda derretida. Minha mãe, como sempre, fingiu demência.

Conversamos no hall do prédio, não o convidei para entrar, e ali eu me acovardei. Recusei o doce convite para ser o ‘homem dele’. Ele, confuso e segurando as lágrimas, disparou angustiado: “e agora? O que eu faço?”.

Adeus

Após este meu incrível ato de covardia, ele sumiu da minha vida. Sentiu-se rejeitado – e com razão.

Aahh, como eu queria ter dito sim... Passei anos remoendo a minha covardia. Eu estava completamente apaixonado por ele – e pelo jeito meigo e carinhoso que ele me tratava. Aquilo era algo completamente novo para mim...

Decepção

Nos anos seguintes eu até senti outros corpos másculos, mas nunca mais senti com um homem o que eu senti nos braços dele: afago.

Muitos anos depois ele me seguiu no Instagram; assim, do nada. Ele havia conseguido passar no vestibular e se formou em medicina. Estava voltando para a região, agora como médico, e queria me dizer o tanto que eu fui importante para ele. Mandou um texto enorme no Instagram e ali retomamos o contato. Foi neste contato que ele mandou a frase que muito me impactou: “cara, eu tive que fazer terapia por sua causa!”.

Infelizmente, as conversas não duraram muito tempo. Era ano eleitoral e ali descobrimos algo que não suspeitamos no passado: éramos de espectros políticos completamente opostos. Ele, esquerdista e encantado pelo Lula; eu, liberal e odiando qualquer político que seja, seja milico ou guerrilheiro, principalmente qualquer coisa ligada ao PT.

A conversa não fluiu – e após dias vê-lo defendendo publicamente o maior bandido deste país e me chamando de 'genocida' tão somente porque eu não apoiava um político que ele morria de amores, eu decidi bloqueá-lo. Ele, para mim, era só decepção...

...que fique no passado, como uma doce lembrança com sabor de Ferrero Rocher e vinho barato, esse filho da puta!

zetampinha@tuta.io

#Memórias #Miscelânea