Minha estressante experiência como motorista de aplicativos (Uber e 99)
Darei detalhes deste período estressante e conturbado da minha vida. Na verdade, foram dois períodos: o primeiro foi bem tranquilo, já o segundo foi horrorível (neologismo que criei de "horroroso + horrivel").
Eu estava com 26 anos e sem grana. Pior, sem renda, pois tinha acabado de pedir exoneração (pois é, já fui servidor público). Estava cursando a minha segunda graduação e não conseguia nenhum estágio remunerado. Meus pais, como sempre, estavam me ajudando financeiramente, mas eu queria depender menos deles, até chegar ao ponto de voar com minhas próprias asas.
Na época, a empresa Uber tinha acabado de chegar na capital onde eu morava e, a nível Brasil, ainda era uma novidade muito grande. Era aquela fase da Uber onde os motoristas (chamados de "parceiros") vestiam camisa social e serviam água + balinhas, lembra? Hahahaha!
Pois bem. Corri atrás de incluir o EAR (Exerce Atividade Remunerada) na minha CNH, cadastrei-me na Uber e, com o meu carrinho, joguei-me nas ruas da capital!
Eu estava animado, afinal, eu estava ofertando um serviço diferenciado: camisa social, água, balinhas e o meu inglês em dia (capital turística no Nordeste).
Primeiros dias
2016 - Os primeiros dias não foram ruins, foram engraçados. Como o serviço era novo e na época era considerado algo mais "de elite", o perfil de passageiros era beeeem diferente do perfil de hoje. Pessoas de bairros nobres indo para o trabalho e coisas assim, enfim, passageiros tranquilos e até mesmo cheirosos (tudo quanto é tipo de perfume).
Eu só me atrapalhava um pouco quando o GPS travava, mas isso era algo raro de ocorrer.
Trabalhava de manhã, almoçava, trabalhava de tarde e ia para a faculdade. Em períodos de prova, trabalhava somente de tarde e depois ia à faculdade.
Alguns meses depois...
Quase um ano depois o app já estava se popularizando e o perfil dos passageiros mudou um pouco, dessa vez eram mais turistas e pessoas usando o app para irem às festas/bares da praia. Com isso, passei a fazer viagens para levar turistas da região da orla para o aeroporto (loooonge) e ficava por lá aguardando corrida de turistas para os hotéis da orla.
Sim, era justamente nesse período que ocorriam as pancadarias entre taxistas e Ubers nos aeroportos. Particularmente, nunca tive problemas - graças a Deus, à minha cara de pouca conversa e ao meu porte físico, rsrs.
Na ponta do lápis
O carro era meu e estava pago. Isso foi muito importante para, após colocar todos os custos na ponta do lápis, ver que compensava trabalhar de Uber enquanto eu não me formava na faculdade (Direito).
Não era um lucro muito alto, estava muito longe de ser aqueles valores astronômicos que os motoristas pilantras ficavam falando na internet, mas, para quem estava desempregado, era algo legal sim.
Após alguns meses eu aprendi algumas estratégias que estavam me beneficiando bastante (aproveitar o preço dinâmico, recusar corridas estranhas, configurar o app para receber chamadas somente em determinada direção e assim por diante).
As melhores memórias enquanto motorista são dessa época!
Tiques e OAB
Uma curiosidade: na época eu ainda não tinha o meu diagnóstico de autista, então os meus "tiques" (movimentos involuntários do corpo, estereotipias) assustavam alguns passageiros. Já até fizeram uma denúncia no app dizendo que o motorista (eu) estava drogado (???). Para não ser desligado da plataforma, em minha defesa eu gravei um longo vídeo explicando a minha situação - e ainda fui conversar pessoalmente (na época a Uber tinha escritório aqui). Enfim, os meus "tíques" são bem nítidos e qualquer pessoa que fique cinco minutos ao meu lado logo percebe isso.
2017 - Após um pouco mais de um ano eu decidi parar. Gasolina estava ficando cara e eu estava no penúltimo semestre de Direito, era hora de começar a me preparar para a OAB: foco total nos estudos. Ligava o app (Uber) muuuito raramente somente quando eu queria esfriar a cabeça ou fazer algo diferente que não fosse ficar no meu quarto estudando, fazia umas duas ou três corridas e voltava para casa. Consegui passar na OAB ainda cursando o 9° semestre, êba!!
Deu tudo errado
2018 - Formado e com a carteirinha da OAB na mão - fui advogar! Não vou entrar em detalhes, deixarei isso para outro post, mas fiquei quebrando a cabeça na advocacia e nada deu certo.
2019 - Desesperado e perto dos 30 anos, prestei prova para um mestrado na federal da região. Passei. O plano era conseguir uma bolsa de estudos (nível mestrado).
2020 - O curso começou. Com ele, a pandemia estourou e o "fique em casa" paralisou tudo. O curso acabou sendo online. Não consegui a bolsa de estudos. Após alguns meses, completamente sem dinheiro, sem advogar e só assistindo aulas online do mestrado, resolvi voltar a "ser Uber".
Puta merda, quanto estresse!!!
Dessa vez, anos depois (dezembro de 2020/início 2021), a experiência como motorista de aplicativos foi horrível!!! Além do app Uber eu também passei a rodar pelo tal do "99". Para filtrar um pouco e evitar golpes, configurei para só aparecer corridas no cartão.
Ainda assim, o perfil dos passageiros desde a última vez que trabalhei como motorista (2016/2017) mudou drasticamente: pessoas folgadas e sem noção - de todas as classes sociais.
Pessoas que entravam no carro comendo (e eu tinha que expulsar), com cabos de vassoura arranhando tudo, tentando entrar com cachorros molhados, querendo colocar seis (SEIS) pessoas dentro do carro e por aí em diante. Para você ter uma ideia, mijaram - vou repetir - MIJARAM no meu carro duas vezes! Duas passageiras porcas a esse nível em um período de poucos meses entre os dois episódios.
Pessoas que agora achavam que eram donas dos motoristas: arrogantes e prepotentes. Curiosamente, quanto mais pobre era o/a passageiro/a, mais arrogante era o ser de luz. O sonho do oprimido é ser opressor, não é mesmo?
Até o perfil dos turistas mudou. Sim, havia pessoas turistando na pandemia. Agora eram turistas metidos; tive muitos problemas com turistas folgados entrando molhados no meu carro (cidade praiana...).
O que aconteceu entre 2016/2017 e 2020/2021? Meu Deus!
As rotas mudaram também. Agora eu estava entrando em favelas, bairros dominados pelo tráfico, tendo que ouvir "moço, baixa o vidro pra entrar na minha rua que ninguém mexe com o senhor" e coisas assim. Obviamente, eu não usava mais camisa social e muito menos oferecia água ou balinhas. Era "bom dia/boa tarde/boa noite" e marcha.
Aprendi a andar pelas quebradas da capital - e isso até hoje surpreende algumas pessoas ("como assim você sabe andar pelas ruas do bairro tal?!").
A gota d'água!
Ah, eu oferecia uma coisa: álcool em gel. Fim de 2020 e início de 2021, pandemia comendo solta - máscara no rosto, janelas abertas e potinho de álcool em gel disponível para os passageiros, bastava apertar e saía álcool em gel. Rápido, prático, seguro e útil.
Pois bem, até mesmo o meu potinho de álcool em gel esses passageiros filhos da puta resolveram furtar. Na correria do trabalho e na preocupação com o trânsito, acabei não vendo quem foi o ser desalmado que levou o meu querido e caríssimo potinho de álcool em gel, só fui perceber a ausência dele quando estacionei na minha garagem e fui fazer a limpeza (sim, eu limpava o interior do carro todos os dias - até mesmo uma minúscula calcinha de renda já deixaram no compartimento da porta traseira).
Esse episódio do furto do meu potinho de álcool em gel foi a gota d'água para mim. Fiquei até mesmo com mais raiva do que quando urinaram no meu carro, de verdade. Puta merda, um trabalhador se matando de trabalhar com o público (passageiros) em plena pandemia e ainda levaram o caralho do meu potinho de álcool em gel!!!!
Naquele dia eu chorei muito - era um choro de raiva. Eu estava com 31 anos e precisava trabalhar. Raiva!
Depois...
Engoli o orgulho e conversei com o meu pai. Ele, sempre ouvindo as histórias dos passageiros folgados e vendo como tudo era loucura e estressante, decidiu me apoiar na ideia de parar com o Uber e me ajudar financeiramente (aliás, ele sempre me ajudou).
Logo eu terminei o mestrado, abri meu CNPJ e fui trabalhar na área. Hoje, aos 35, ainda estou na casa dos meus pais e ainda conto muito com a ajuda financeira deles, mas consigo tirar minha renda em home office e ir estudando para concursos. Se Deus quiser (e eu for mais disciplinado nos estudos), um dia irei rir disso tudo sendo servidor público com uma boa remuneração.